Avaliação de uma Relação Construída no Transcurso de
uma Pena que Finda
De você
eu gostei principalmente
do jeitão de mulher
sensualidade renitente
mesmo ao dizer uma bobagem
e uma coisa curtida
de vida mesmo
que o olhar escondia
enquanto o xale
abraçava aleatório
azuis dele próprio.
Um andar gingado de malandra
misturado com vestes de princesinha medieval
e uma beleza áspera
para ser pressentida
com muito contacto e silêncio
aprendizado de espera
sem muita pressa
tendo como alvo
não um detalhe
mas o corpo todo
do tom de voz
à elasticidade das coxas
tesão de violinos desembestados
rangendo melancólicos
em um telhado de vidro.
De você
eu gosto mesmo
da força que pinta
em algumas barras
e da fragilidade
em outros lances
que te faz aninhar em mim
— teu macho
com tal desplante passivo
que aos meus olhos
pareço um guerreiro maior
que na verdade sou.
Então você goza
puxa meu saco
me fita com esses olhos
tristes de mocho
próximo ao crepúsculo
e eu perdoo o ardil
mesmo quando percebo
mordo um pedaço do seu pescoço
voo numa bela frase que dissemos antes
arranho suas ancas
coço seu cabelo
te protejo dessas paredes
inimigos que não existem
mas de cuja fictícia realidade
eu nutro meu papel de homem.
De você eu gosto
tantas coisas, partes
sensações, locais concretos
principalmente os secretos,
loucos os quais só espreito
e você mal sabe.
Com você
eu nunca tive o direito
de tomar um reles café de boteco
ir ao cinema numa noite chuvosa
passar na roleta de um ônibus Gávea-Leme.
No entanto, temos um filho.
Com você
eu nunca deitei numa cama de casal
com lençóis acetinados, pijamas macios
ouvindo um disco de jazz em surdina,
deixando o tempo passar.
No entanto, amamos
gritamos gozamos
nos mordemos de mil formas diferentes
em cima de um velho colchonete de espuma
que eu estendo todos os dias de visita
e cubro com uma colcha verde encardida
cheio de furos de cigarro.
Nunca fui à sua casa
é você quem sempre
vem na minha.
Já nos magoamos seriamente um ao outro
uma vez e isso não prova nada.