AUTO-ELEGIA 1966

Anderson Braga Horta

AUTO-ELEGIA 1966

 

 

 

Nada fiz ontem.

Hoje não faço nada.

Mas fervo de idéias e desejos.

Amanhã talvez.

Amanhã sou sempre. Hoje sonho amanhã.

E vou-me preparando para essa manhã.

Nasci 2500 anos depois.

Tudo que quis fazer já tinham feito.

Resta o infinito, mas como pescar nos limbos dos possível?

Sinto-me pesado de vazio.

Também sinto que há em mim potência bastante pra iluminar o Mundo.

Só que os faróis estão cegos de névoa.

Esta névoa.

Madrugada de lâmpadas acesas

para nada.

Duas mãos riscam um fósforo e acendem um cigarro.

Estas mãos que salvariam o Mundo e nunca souberam salvar-se.

Construíram, sim: prazeres tormentosos na tímida emergência do sexo,

deles afinal demitidas:

prazeres, hoje,

como o deste social, elegante, cancerígeno vício.

Fizeram mais: obstruíram de sigilos

o canal a mil gestos nascituros,

a atualidade a mil e quinhentas límpidas potências.

Meus filhos falam e riem dormindo.

Que lhes direi depois de amanhã?

Que sinto muito, a selva era ínvia, não achei o caminho?

 — Que tal se o tivesses forjado?

Forjá-lo, sem fraude, só

com este precário instrumento: este

cérebro, estas mãos. Cansados,

gastos de pesquisar a geologia

do indiscernível. Mas

¡forjá-lo!

Abro minha pasta de dúvidas. Voam

ao vento, que não as dissipa.

Dissipo minhas horas, discípulo

do relógio (igualmente oco-sonante),

que marca o tempo e não lhe deixa marca.

 Oh! que saudades que eu tenho

 dos tempos decassilábicos,

 dos tempos alexandrinos,

 deste tempo redondilho

 e outros mensuráveis tempos.

Volvo os olhos à paisagem doméstica,

ao quotidiano medido,

comedido.

Quão poucos dentre nós têm sabido

   podido

    ousado

ir além das medidas. O mais das vezes contentamo-nos

de enchê-las.

Me lembro que a 1 200 km daqui

as águas, violentas, devoram irmãos nossos.

Preciso ajudá-los, rezar por eles. Mas não posso.

Ocupa-me pensar como salvarei o Mundo,

como salvar a mim mesmo,

preocupa-me um socialismo dos mais utópicos,

principalmente preocupa-me o "Amarás o próximo como a ti mesmo",

principalissimamente se o próximo é

 guerrilheiro no Vietnã,

 negro no Mississípi,

 flagelado no Nordeste ou,

 mesmo, a alguns quilômetros de mim.

Vou dormir, estou cansado.

Amanhã resolverei todos os problemas.

Amanhã? não. Amanhã

sonharei o amanhã. E depois-de-amanhã,

com a ajuda de Deus e de Fernando Pessoa,

depois de amanhã, talvez. . .

Na idade da madureza

trago em mim o caos dos inícios.

Ah! os deuses omissos!

Se, ao menos, amanhã

despertasse deus! Antes da explosão

final,

construir deste caos um ordenado universo!

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— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

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— Financiamento e realização

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