As paredes têm ouvidos
ainda
recordam e guardam
as manchas, a impressão
dos gritos feito grades
do sangue salpicado
das sombras
dos guardas
ainda
não foram abertas
as janelas
e pelas aberturas
rasgadas
o vento não passa
não sopra
o céu não corre livre
esvoaçante
em desfraldado azul
embora lá fora
é bom lembrar
noventa milhões em ação
cantaram
pra frente Brasil
pra não escutar
dos nossos corações
o susto-soluço-síncope
pois enquanto a bola
rolava
fora das quatro linhas
o pau-de-arara cantava
comia o sarrafo, baixava a botina
e a cortina
sobre os Arquibaldos
os Geraldinos
e todos juntos vamos
pra frente, pros porões
levados pelos Macários
aos pontapés, na ponta da bota
das galeras em festa
para as galés
e salve a seleção
salve-se quem puder
pois de repente
é aquela corrente
nos pés
parece que todo Brasil
deu a mão à palmatória
ligados todos nos fios, nos cabos
nos rádios, na Maricota
nos dedos-duros elétricos
na mesma emoção
e no mesmo tratamento de choque
tudo é um só coração
que bate, a todo pano
em pane, preso
entre as quatro paredes
do corpo, do quarto
sentado na cadeira do dragão
diante das tevês
o esquadrão de ouro da morte
toca a bola, manda bala
é bom no samba
é bom (principalmente) no couro
e se a Copa do Mundo
é nossa
para sempre
como brasileiro
não há quem possa
se esquecer que fora do estádio
expulsa das arquibancadas
a torcida explodia
e vaiava
a dor de tantos gols contra
em silêncio.