As mãos que escrevem

Maciel de Aguiar

  AS MÃOS QUE ESCREVEM

 


As mãos clandestinas escrevem
nos muros,
nos postes,
nos tapumes,
os gritos mudos de indignação, 

enquanto a multidão passa 

apressada no outro dia 

olhando por sobre os ombros 

as caligrafias trêmulas 

deste tempo de pavor…
As mãos trabalham no breu
das noites que adormecem os soldados,
lépidas como as asas
das aves em vôos rasantes,
deixando as marcas do tempo 

em palavras de revolta, 

gritos de socorro 

e apelos incansáveis:
— Abaixo a Ditadura!…  

— Abaixo a Ditadura!…
— Abaixo a Ditadura!…

Não mais que alguns momentos 

e surgem os que apontam
aos muros,
aos postes,
aos tapumes,
ali, 

aqui,
acolá,
e o regimento de lacaios
com baldes e vassouras
vai logo apagando as impressões 

dos que deixaram os recados 

aos inconscientes que passam

e tomam o choque fatal:
— Existe uma Ditadura? 

— Existe uma Ditadura? 

— Existe uma Ditadura?

A multidão faz de conta 

que nada vê,
nada sabe,
nada ouve,
nada testemunha 

nesta luta invisível 

de mãos que se rebelam 

diante da possibilidade 

da amputação pelo crime 

das palavras semeadas… 

As noites vão passando 

com os meninos em busca 

de alvos de concreto 

para deixar as marcas 

diante dos olhos vorazes 

que espreitam por toda a parte 

apontando para as cabeças 

dos que desenham sua sina… 

— Oh! Meninos que escrevem

  nas paredes proibidas
  o legado dos mortos, 

  dos degredados,
  dos levados sem explicação, 

  dos que emprestam os nomes 

  à Lista dos Desaparecidos. 

  Poupem nas noites de lua 

  as vidas expostas às armas 

  assassinas dos soldados. 

  Poupem nas noites de lua 

  as entranhas frente os coturnos 

  que estão vindo feito cães 

  em seus rastos deixados 

  à sessão de suplício. 

  Poupem nas noites de lua 

  os corpos esvaídos 

  pelas calçadas do tempo 

  para que no outro dia
  os dedos apontem para o sangue 

  que flui em veios no chão

  pelos esgotos em alimento 

  aos animais da terra
  e a felicidade dos tiranos… 

  Poupem nas noites de lua 

  os primeiros vinte anos 

  que nem ao menos viveram 

  as primeiras desventuras, 

  que nem ao menos olharam 

   aos céus enamorados, 

  enquanto os assassinos 

   preparam a indulgência 

   sobre os corpos indefesos… 

Os meninos escrevem
frases de indignação
pelos muros,
pelos postes,
pelos tapumes,
com caligrafias trêmulas…
— Poupem as vidas
  de rebeldia
  e aventura…
As mãos clandestinas dos meninos
escrevem,
escrevem,
escrevem
nas trevas de nosso tempo
o mais conhecido grito: 

— Abaixo a Ditadura!

— Abaixo a Ditadura!

— Abaixo a Ditadura!

 

                                Rio de Janeiro, 22.8.71
                                                                                

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