AS MÃOS LIMPAS
Ao companheiro Alexandre Vannucchi Leme,
assassinado em 17 de março de 1973
Sobre a mesa as mãos de um homem:
brancas, limpas, tranqüilas.
Mãos de um habitante das cidades.
Por si mesmas não dizem nada.
Acariciam os cabelos do filho,
o rosto da mulher, compram os jornais,
dirigem o automóvel,
estarão suadas ao meio-dia.
Esses, afinal, são gestos universais.
Contudo, neste fim de tarde, eu as vejo
exaustas, vazias, manchadas de sangue.
O corpo de Alexandre repousa sem algemas,
(é pouco mais que um adolescente)
Da boca obstinada não fugiu palavra
e, na morte, seu rosto resplandece.
Daquelas mãos não se dirá:
"Estão marcadas com o sangue dos inocentes".
Ei-las: lavadas, neutras, polidas cuidadosamente,
prontas a repetir os gestos universais.
Acariciar os cabelos do filho,
o rosto da mulher,
passear pela cidade, insuspeitadas.
Ir ao cinema. Levar o cigarro à boca.
Confundir-se entre as mãos comuns
dos homens comuns, dessa cidade comum.
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Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "As mãos limpas" integra a seção “Poemas do Calabouço”. A segunda edição de "Poemas do povo da noite" (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009) apresenta um texto introdutório intitulado “Explicação necessária”. Nessa introdução, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “As mãos limpas” na página 39, informa que esse poema foi escrito em 1973.