AS CRIANÇAS DO PLANALTO
para Canarinho
— Zé Galinha? Como é que vai, meu irmão? Tudo
legal aí? As coisas já pintaram? Careta? Porra, xará, aqui
tá uma merda. Bosta de férias, meu. Eu naquelas de me
intoxicar e faz uma porrada de tempo que não pego ba-
gulho. Foda. Quando pinta é misturado. Nego anda pas-
sando mate. Leva cinquentão num baseado e meio. Situ-
ação entorpecente. Se a gente não descola receita, o papo
é birita. Tu precisava ver no meu aniversário: neguinho
no chão mordendo o tapete de bêbado. É, maninho, de-
zessete aninhos ... Tu não sabe da maior, meu irmão. O
que a barra pesou ! O Fernando encheu a mulher de por-
rada. Ela dedurou na depê. Foi um tal de sumir com gi-
lete e finório. Afinal pintou peême, o coração de mãe
entupido de maluco que o Fernando nem cabia. Aí, meu,
os homem abriram o portão e tome cassetete, daquele
que dá choque na ponta, morou? Abriu aquele espação e
lá foi o Fernando lá dentro. E motoqueiro de montão de
escolta, atrás do camburão. Maior barato, cara. Outro que
dançou foi o Pantera. Queimou a mina de gente fina.
Nego ficou puto, sujou ele. Aquilo é safado. Gatão, pô.
Gatão. Passou a mão numa prancha de surf da loja. Tu já
viu? Prancha de dois metros, meu! Me deu um bobo em
troca de uma trouxa — bateu um dia e parou. Alta
crocodilagem. Tu já notou? Não tem mais maluco de bobo.
Todo mundo na rua dá hora de graça: no primeiro aperto
lá vai o bobo do maluco. Foi malandro de morro que co-
meçou essa transa. Se amarram num bobo. Ontem, cara,
subindo o São Carlos pra descolar uma presença, o xará
do táxi sacou sem outra: que boca cês vão? Tu viu dessa?
Fiquei de cu na mão. O pessoalzinho anda levando um
papo de crioulo, é infração, infração, tudo dobrou. Por
uma fileirinha de brisola tu dá os culhões. Acê então nem
se fala. E eu duro que nem pau. Quem me salva é a puta
da Socorro. Se amarra em afanar nota do irmão pra mim.
O babaca trabalha num banco. A troco do quê? De peru ,
pô. Não vou rejeitar, né? Cafetão é o cacete! Tem dois
anos que estamos nessa com ela. A Socorro é mesmo um
help. Amanhã vou chegar pra Terê com o presente dela
pro Carnaval. Aquilo lá, meu, é o barato total. Só dá ma-
luco, meu irmão. Se tu leva uns mands então, tu se dá
bem. Faz uma graninha maneira. Tem sempre uns filhi-
nhos de papai de carango atrás de umas. São fera, cara.
Correm de joaninha, de sarsa. Limpeza. Tu anda
mandricão, ninguém te sacaneia. Chocante, xará. Tem
ferinha de doze, treze anos, de fuquinha, descolando a
bola. Arrumei uma receita fria, o Haroldi vende a dez
nota cada, e já vou curtindo uma no busô. Estou a fim de
chegar que já deu no saco encostar a carcaça em fuca de
porta de lanchonete toda madruga. Vai os vagabundo todo
do deéfe que anda aprontando por aqui. O Mamão, sabe
quem é? Um que normal parece que engoliu cinco dracs.
Irmão do da kombi, que morreu. É. Que capotou corren-
do com os homem. Tá lembrado? O Curió, da trezentos
e oito. As vacas do lago, as três. Tá sabendo? Vamos nes-
sa, tu vai desbundar. Vamos? Não vai dar? Não entra nu-
mas, pô... Pô. Falou. Então a gente se vê no deéfe. Sinto
uma falta fodida daquele paraíso. Só não me pico já pra lá
porque vai pintar um cara com umas carteira quente pra
passar. Puta! O que eu aprendi naquela cidade! Correr
dos cana, variar apronto. Lembra o Patinha abrindo os
carango do estacionamento e dizendo “se vira” pra
moçada? Muito doido aquele cara. E a gente espirrando
extintor de incêndio nas bicha? Que barato, hem, meu
irmão? E na quarta, os gente fina cagando nas calça? Nesse
dia larguei minha velha na depê e fugi catando o pai do
Dengo, que é capitão, pra livrar nossas caretas. É, meu. A
transa dos tiro no vidro. Aquele apronto de afanar pneu
pra revender no núcleo. Você perdeu essa? Quem é que
tava junto? Ah, o Louro. E pra aumentar a cagada, cheio
de coisa em cima. Ele pirou, sabia? Porra, malandro, não
sei que diabo dá naqueles bicho de lá. Só querem saber
de aprontar. É da nossa idade, é ferinha criança, é
marmanjo. Será que é porque tu anda por ali, tudo vazião,
sem nada pra fazer? Tu não conhece ninguém desde pe-
queno, tá sempre tendo que se garantir, que levar a me-
lhor. Nem sei, cara. Mas que é uma loucura, é. E tudo
vagabundo igual: os bicho do bandeirantes, da asa sul, os
filhote de gente fina. Esporrante, hem, cara? Assim que
transar essa, tô de volta. Saudade, sacou? É isso aí, xará.
Falou. Falou, Zé Galinha. Tchau, meu irmão. Juízo, hem!