As Crianças do Planalto

Angela Melim

           AS CRIANÇAS DO PLANALTO

                            

                               para Canarinho

 

 

       — Zé Galinha? Como é que vai, meu irmão? Tudo

legal aí? As coisas já pintaram? Careta? Porra, xará, aqui

tá uma merda. Bosta de férias, meu. Eu naquelas de me

intoxicar e faz uma porrada de tempo que não pego ba-

gulho. Foda. Quando pinta é misturado. Nego anda pas-

sando mate. Leva cinquentão num baseado e meio. Situ-

ação entorpecente. Se a gente não descola receita, o papo

é birita. Tu precisava ver no meu aniversário: neguinho

no chão mordendo o tapete de bêbado. É, maninho, de-

zessete aninhos ... Tu não sabe da maior, meu irmão. O

que a barra pesou ! O Fernando encheu a mulher de por-

rada. Ela dedurou na depê. Foi um tal de sumir com gi-

lete e finório. Afinal pintou peême, o coração de mãe

entupido de maluco que o Fernando nem cabia. Aí, meu,

os homem abriram o portão e tome cassetete, daquele

que dá choque na ponta, morou? Abriu aquele espação e

lá foi o Fernando lá dentro. E motoqueiro de montão de

escolta, atrás do camburão. Maior barato, cara. Outro que

dançou foi o Pantera. Queimou a mina de gente fina.

Nego ficou puto, sujou ele. Aquilo é safado. Gatão, pô.

Gatão. Passou a mão numa prancha de surf da loja. Tu já

viu? Prancha de dois metros, meu! Me deu um bobo em

troca de uma trouxa bateu um dia e parou. Alta

crocodilagem. Tu já notou? Não tem mais maluco de bobo.

Todo mundo na rua dá hora de graça: no primeiro aperto

lá vai o bobo do maluco. Foi malandro de morro que co-

meçou essa transa. Se amarram num bobo. Ontem, cara,

subindo o São Carlos pra descolar uma presença, o xará

do táxi sacou sem outra: que boca cês vão? Tu viu dessa?

Fiquei de cu na mão. O pessoalzinho anda levando um

papo de crioulo, é infração, infração, tudo dobrou. Por

uma fileirinha de brisola tu dá os culhões. Acê então nem

se fala. E eu duro que nem pau. Quem me salva é a puta

da Socorro. Se amarra em afanar nota do irmão pra mim.

O babaca trabalha num banco. A troco do quê? De peru ,

pô. Não vou rejeitar, né? Cafetão é o cacete! Tem dois

anos que estamos nessa com ela. A Socorro é mesmo um

help. Amanhã vou chegar pra Terê com o presente dela

pro Carnaval. Aquilo lá, meu, é o barato total. Só dá ma-

luco, meu irmão. Se tu leva uns mands então, tu se dá

bem. Faz uma graninha maneira. Tem sempre uns filhi-

nhos de papai de carango atrás de umas. São fera, cara.

Correm de joaninha, de sarsa. Limpeza. Tu anda

mandricão, ninguém te sacaneia. Chocante, xará. Tem

ferinha de doze, treze anos, de fuquinha, descolando a

bola. Arrumei uma receita fria, o Haroldi vende a dez

nota cada, e já vou curtindo uma no busô. Estou a fim de

chegar que já deu no saco encostar a carcaça em fuca de

porta de lanchonete toda madruga. Vai os vagabundo todo

do deéfe que anda aprontando por aqui. O Mamão, sabe

quem é? Um que normal parece que engoliu cinco dracs.

Irmão do da kombi, que morreu. É. Que capotou corren-

do com os homem. Tá lembrado? O Curió, da trezentos

e oito. As vacas do lago, as três. Tá sabendo? Vamos nes-

sa, tu vai desbundar. Vamos? Não vai dar? Não entra nu-

mas, pô... Pô. Falou. Então a gente se vê no deéfe. Sinto

uma falta fodida daquele paraíso. Só não me pico já pra lá

porque vai pintar um cara com umas carteira quente pra

passar. Puta! O que eu aprendi naquela cidade! Correr

dos cana, variar apronto. Lembra o Patinha abrindo os

carango do estacionamento e dizendo “se vira” pra

moçada? Muito doido aquele cara. E a gente espirrando

extintor de incêndio nas bicha? Que barato, hem, meu

irmão? E na quarta, os gente fina cagando nas calça? Nesse

dia larguei minha velha na depê e fugi catando o pai do

Dengo, que é capitão, pra livrar nossas caretas. É, meu. A

transa dos tiro no vidro. Aquele apronto de afanar pneu

pra revender no núcleo. Você perdeu essa? Quem é que

tava junto? Ah, o Louro. E pra aumentar a cagada, cheio

de coisa em cima. Ele pirou, sabia? Porra, malandro, não

sei que diabo dá naqueles bicho de lá. Só querem saber

de aprontar. É da nossa idade, é ferinha criança, é

marmanjo. Será que é porque tu anda por ali, tudo vazião,

sem nada pra fazer? Tu não conhece ninguém desde pe-

queno, tá sempre tendo que se garantir, que levar a me-

lhor. Nem sei, cara. Mas que é uma loucura, é. E tudo

vagabundo igual: os bicho do bandeirantes, da asa sul, os

filhote de gente fina. Esporrante, hem, cara? Assim que

transar essa, tô de volta. Saudade, sacou? É isso aí, xará.

Falou. Falou, Zé Galinha. Tchau, meu irmão. Juízo, hem!

 

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— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

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