Apelo aos poetas oficiais

Maciel de Aguiar

APELO AOS POETAS OFICIAIS

 

 

Ninguém é imune ao tempo
que reescreve a História
nos versos dos poetas, 

que corroem a alma
enfrentando com palavras 

a ira dos tiranos.
Os homens maus passarão,
passarão,
passarão,
passarão,
com seus exércitos devastadores,
sobre a cabeça dos vencidos.
Hitler assassinou crianças,
homens,
velhos
e mulheres,
com sua praga tirana
de desenvolver a técnica
de extermínio de pessoas: 

— É claro que tenho o direito
  de exterminar os milhões

  de gentes de raça inferior,
  que são prolíficos como vermes…,
dizia.
E Brecht escreveu num papel
levado pelos ventos
para os séculos lerem um dia:
— Os vencidos de agora
  serão os vencedores de amanhã.
Mas os senhores contratam
escribas para deixar nos anais
suas façanhas
e glórias
contadas a peso de ouro,
sempre transformando em heróis 

os exterminadores dos povos, 

os que decretam Ordens
sobre a cabeça dos condenados, 

os que baixam Atos 

sobre o direito à cidadania, 

os que impõem a conjugação 

do sublime verbo amar

no tempo incondicional: 

— Ame-o ou deixe-o.
Mas haverá sempre um poeta

para cantar versos límpidos 

do amor irremediável, 

o amor em cumplicidade, 

o amor sem imposição,
o amor… amor… amor, 

em versos que certamente 

por ninguém serão lidos,

nem declamados em praça pública, 

pois do amor tendo no peito 

ninguém escreve no almaço 

com caligrafia de sangue,

e poucos publicam livros 

em louvor à Liberdade, 

com versos do amor possível,

o amor à vida
que justifica tudo.
Só os poetas proscritos
deixam feito folhas ao vento, 

na brancura das nuvens,
na cordilheira das lágrimas,
as canções aos mortos
que ficam na cabeça dos homens, 

e que flutuam pelos ares,
levadas para os oceanos
em versos malditos,
versos proscritos,
versos marginais,
mas que desmoronam as histórias 

de Educação Moral e Cívica.
Os senhores mandam escrever 

com enormes letras de ouro 

a versão dos vencedores 

sobre a desgraça dos vencidos 

para os séculos lerem, 

enquanto os historiadores 

lavam as mãos diante
da infâmia do tempo 

e da angústia que não lhes afeta, 

transformando os assassinos 

em heróis que emprestam 

seus nomes às praças,
ruas,
pontes, 

viadutos
e avenidas,
e até mesmo os que não vivem 

da escória do poder
trazem as calças úmidas, 

alienando-se em suas letras 

povoadas de derramamentos 

confessionais
e mesquinhos,
alheios aos que morrem, 

ou os que emprestam nomes 

para a Lista dos Procurados

os que são obrigados
a atentar contra a própria vida, 

os que conheceram a desonra 

e os que se alimentam
do resto das iguarias 

dos banquetes nos palácios. 

Os tiranos anestesiam 

a mente dos que poderiam 

deixar escrito o que fizeram 

Oh!… Poetas que escrevem 

olhando para o próprio umbigo, 

os que oferecem os corações 

para os olhos dos omissos, 

os que usam largas viseiras 

sobre as pálpebras da dor, 

os que têm mais preocupação 

com a métrica enfadonha
do que com o tempo em que vive:
escrevam ao menos um verso
para os séculos lerem um dia,
um verso apenas, 

marginal
que seja, 

proscrito
que seja, 

panfletário,
não importa.
enfiem-no dentro do colchão, 

camuflem-no entre as pedras. 

Aos diabos os teoristas
que lhes masturbam nas críticas

aos diabos os colunistas
que lhes afagam nos jornais, 

aos diabos os editores 

avarentos que lhes sugam, 

aos diabos os leitores 

contumazes que lhes devoram. 

Escrevam aos que conversam 

com seus fantasmas nas trevas,

os enlouquecidos pelas torturas, 

os exilados em sua pátria. 

os banidos do direito à vida. 

Oh!… Poetas que emprestam 

suas palavras aos livros 

que podem ser expostos 

nas prateleiras das livrarias, 

que não trazem a tinta
ainda fresca dos mimeógrafos,
escrevam ao menos um verso
sobre os que vivem
entre a angústia do arbítrio
e a procura da Liberdade. 

Oh… Poetas oficiais,
escrevam ao menos um verso 

a todos
e ninguém.


                      Ponte Nova-MG, 1.6.70

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