AO RITMO DAS ESCADARIAS
Depois de morto
como seu irmão,
depois de morto
com seu bilhete
de loteria
comprado em vão;
depois de morto
com suas latas
desarrumadas
pelo barracão,
com uma carta
cobrando a roupa
que durou menos
que a prestação;
depois de morto
foi arrastado
pelos agentes,
pelas serpentes
do quarteirão
e seus pedaços
só defendidos
e respeitados
pelo seu cão;
depois de morto
dezoito balas
e outras metralhas
não tardaram não:
foram mais ferro
do que pedia
sua fraqueza
seu corpo insão;
depois de morto
morreu seu nome,
morreu seu erro
ou sua razão,
sem adeus de noiva
metida a santa,
sem beijo de moça,
da televisão,
sem nem discurso,
coro de igreja
ou sacramento
de extrema-unção,
morreu completo
como nem mesmo
nenhum deserto não morrerá não.
Comentário do pesquisador
Embora o poema não seja datado, optou-se por registrá-lo no Memorial Poético dos Anos de Chumbo devido à ênfase com a qual tematiza a morte e a violência institucional.