Antitexto
Cravado em mim o meu silêncio fala:
folha em branco, exercício do sangue
em cada veia — percurso — pulso de lã
urso de escuro e astúcia que se urde
calado e surdo como o amor se faz:
pedra sob o lago da pele estagnada
seiva, assim, tão silente e cega
como o fio desta faca na bainha
do meu gesto: uma palavra-lapso
no espaço da intenção, vôo mudo
sem céu, feito de chão, e o passo
é de paina e de borracha que apaga
o som das pegadas, rastro de pausas
esperas, nas entrelinhas dos sentidos
uma vida de intervalos espreita
pela lucarna recortada no corpo
por uma lâmina de lacunas, fresta
desvão, onde nada pousa sua ausência
onde ninguém, ode sem voz nem olhos
— um nulo lugar de nãos — aonde?
Comentário do pesquisador
O poema "Antitexto" está na seção "Palavra puxa palavra" do livro "De corpo presente". É a parte talvez mais política desse volume lançado em 1975 por Armando Freitas Filho. Na epígrafe da seção, em uma citação retirada de Carlos Drummond de Andrade, é dito: "Tenho palavras em mim buscando canal (...), apenas querem explodir". Desse modo, é expressivo o silêncio colocado já no primeiro verso do poema: "Cravado em mim o meu silêncio fala". Nos poemas publicados por Freitas Filho em 1975, o silêncio é grávido de explosão.