ANTIELEGIA PARA ALBERTO LUÍS BARAÚNA
Impossível te contar.
Se antes já eras difícil
quando
palpável e civil
com idade horário óculos bigode
andar característico endereço
como
te contar agora que deslizas
no sem-limite
e
segundo um apenas desejar
auroras-te num cerne de noite
ou te anoiteces
numa centelha de manhã
com (imagino) um portulano feérico
aberto ante o teu trânsito embruxado?
Ah como
te contar
se mesmo
quando ainda o corpo te prendia
ao chão nosso de cada passo
às vezes cruzavas a cidade
pelos anéis de Saturno?
...e logo
múltiplo
passeavas
ventos marinheiros
carrosséis de antanho
tu
enselvado no amorável
jamais como um que perdeu
seu Unicórnio?
Mais que nunca
poeta
impossível te contar.
Vogas tão além do verso
quanto a extrema complexidade de certas coisas
simples
como hoje
por exemplo
quando despertei
e vi o sol nascendo e o céu azul
e o mar brilhando manso e a terra úmida
explodindo em verde
e tomei café e acendi um cigarro
e sentei-me diante da janela aberta
e
de repente
aquele riso
vindo da rua
um riso
assim
muito claro
vindo da rua.