Amanhecer em Brasília
Barra do dia
(título de livro de Afonso Arinos
de Melo Franco)
A Oliveira Bastos
Barra do dia, gestação da madrugada.
As luzes artificiais da noite ainda não se apagaram.
Rumor de máquinas velozes corta sem parar o
silêncio,
outrora povoado de asas e cascos.
Do sorriso do anjo desaparecido nasce a manhã.
Árvores novas, entretanto já vestidas de vermelho
ou altas como torres de espadas,
aprendem a conviver, através de veias
subterrâneas, com as formas retorcidas
onde os anos juntaram, em lentas cascas rugosas
alimentadas apenas do solo do planalto,
o ensino do existir em luta pobre.
Longe, no cerrado, garras humildes e respirações
escondidas
prolongam o ontem animal.
Um estudante acorda antes do sol para ler no seu
quarto branco.
Em milhares de ventres germinam homens.
Entre paredes inventadas
a catedral abre dedos em súplica
como se esperasse nas mãos o jorro das farinhas
para saciar as fomes imemoriais.
Na igreja do santo a penumbra mansa
joga nos vitrais o brinquedo abstrato dos azuis.
O Poder acorda na praça a Pátria inextinguível.
Céu de sangue e ouro.
Cheira a campo.
Teus cabelos e o meigo olhar.
Liberdade! Nascença!
Tudo é orvalho e destino.
Abril, 1976.