Ainda

Domingos Pellegrini

AINDA

 

 

 

Romperemos o cerco de Stalingrado.

Venceremos a peste com disciplina.

Quebraremos o medo lutando sempre.

O caos da retirada organizaremos.

Apertaremos o cerco aos holandeses

em redor do Recife, até despejar

todos os invasores no mar.

Seremos 70 mil rompendo o século

na primeira grande greve de São Paulo.

Prenderemos com canhões na Guanabara

Hermes da Fonseca, marechal de ferrugem.

Entraremos em Kiev, entraremos em

Berlim, em Varsóvia entraremos

reabrindo os caminhos com os pés,

heróis fedidos de meias furadas.

No dois de julho afiaremos foices

para jogar no mar os portugueses

em Porto Seguro, por onde entraram.

E, em todo esse tempo sentiremos

a sensação do impossível nos bolsos,

vazando do peito, goma negra, mas

por teimosia ou desespero avançaremos.

Construiremos balsas, passaremos.

Imprimiremos com óleo queimado

misturado a tinta e a sangue quente.

Costuraremos de novo o que romper

no gume das traições, no ácido medo.

Como quem parte um pão e come junto

leremos cada jornal, cada livro.

Em sacolas de couro guardaremos

nossas provisões de sal e luz

— e em casas de amigos abriremos

nossas malas, comeremos arroz.

Depois discutiremos, votaremos,

barco aceso no escuro, avançando.

Iremos aos tribunais, se for preciso.

Vestiremos gravata para os juízes

pensarem que somos de gelatina.

Mas cuspiremos fogo nas esquinas.

Nas assembléias nos levantaremos.

Contaremos a dedo quantos somos.

Seremos presos por doutor Getúlio

e por Stalin, e por MacCarthy

mas sairemos, acho que sairemos.

Alguns não sairão, mas lembraremos

de seus nomes para nossos filhos.

Mandaremos cartas sem nome nem selo,

viajarão em bolsas e casacos

e chegarão levando munições

a Stalingrado, A Hanói, ao Recife.

Beberemos em paz, comeremos bem

quando nos surpreendermos com dinheiro

ou quando o carcereiro bem quiser.

Aprenderemos a fazer de tudo.

Se for preciso, rezaremos missa

em javanês, na porta do dilúvio.

Salvaremos ao menos as crianças,

com elas haveremos de assistir

o mais triste Primeiro de Abril

com os ouvidos colados no rádio.

Mas vestiremos no avesso as camisas.

Passaremos construindo balsas.

Discutiremos até a rouquidão.

Agüentaremos mascando tijolo.

Com imaginação venceremos a peste.

Não há porão donde um tatu não saia.

Aprenderemos a andar doutro jeito.

Tudo que se romper costuraremos.

E tossiremos sem fazer barulho, e

engoliremos fogo, nos levantaremos .

Entraremos nas vilas, no campo entraremos

e seremos tantos, embora pequenos.

Depois um dia, enfim, hastearemos

a razão no centro de São Paulo.

Demoliremos com planos e marretas

e haverá terra, enfim, para plantarmos.

 

 

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— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

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— Financiamento e realização

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