A terra é redonda

Lêdo Ivo

A TERRA É REDONDA

 

A terra é redonda.

Por uma fímbria deste mundo imensamente curvo

a tua genitura passou, errante, sob o vento e as estrelas.

Junto aos degraus do grande mar quimérico,

eram aljubeteiros, bateleiros, acenheiros, escudeiros, forasteiros,

   [almotacéis, adegueiros e mesterais.

Eram xartres e besteiros, marinheiros e guerreiros, essas

 [gentes e essas geiras,

linhagem que em teu sangue fita um berço.

E agora o mundo é redondo

o cosmo é um infinito redondo

os faróis e os espelhos são esplêndidos zeros

o amor é redondo como os seios nos balcões

a terra é redonda como uma laranja.

Mesmo o oceano atônito é rotundo como um balão.

E redondos são, no vertiginoso horizonte de funil, as velas

   [enfunadas e os navios.

Vivemos todos num mundo belamente redondo.

Redondos são os estádios e os gritos das multidões

quando, nos jogos noturnos, a branca estrela esférica

[rola na relva rente.

Redondos são os defuntos e ataúdes

que a morte tumultuosa estampilha de redondo.

A própria vida é uma coisa redonda

de tal modo que, quando erramos, erramos redondamente,

em nosso engano ledo e cego ficamos redondamente enganados,

e, quando caímos, caímos redondamente no chão

protocolarmente redondo no dia hipnótico.

Nossas moedas são redondas como a efígie de César.

 

Redonda é a demagogia, com os seus rodeios e anacolutos.

Um não bem redondo torna circular

a cara amarela e quadrada dos pobres.

O sim é uma sílaba redonda que baila

nas bocas ortodoxamente redondas,

redondas de tanto negar e conceder, mentir e dizer a verdade,

e que se arredondam mais cada ano que passa.

A chiante boca do homem, retoricamente redonda,

vale-se do suarabácti para adular os poderosos,

recorre ao assíndeto para o despejo, usa a silepse na penhora,

pratica litotes nas denúncias e o hipocorístico nas perseguições.

A babosa boca do homem cerca-se de hipérbatos para

    [acusar o inocente

e de hipálages para justificar as matanças,

adota o ablativo absoluto para pôr na cadeia os pequenos ladrões,

não abre mão da paragoge durante os desfiles

e faz escorrer sobre o próximo o óleo espesso das hipérboles

que o mundo, sendo redondo, é naturalmente hiperbólico

com todos os seus habitantes.

 

 

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Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

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Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

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Susana Souto Silva (UFAL)

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