Perdi
o motivo de sorrir.
Sentir alegria, então,
julguei hipocrisia.
Não conseguia
mesmo se quisesse,
recorrer à farsa,
nem esta tinha sentido.
Pessimismo? Não.
Um súbito endurecimento que,
imaginei, todos estavam sentindo,
inclusive ela.
Um dia, inesperadamente,
eu a vi na enfermaria do Doi-Codi.
Estivemos próximos
e impedidos de nos falar.
Recordo a sua imagem
fraca, alquebrada, olhos fundos
e uma fisionomia doentia,
acentuada pela camisola de enfermaria.
Eu só me preocupei
com a mensagem que
os seus olhos e sua fácies descolorida
puderam me transmitir.
Naquele dia
recuperei em parte
o sentimento da alegria,
ao perceber a sutileza
e a força do seu sorriso.
Comentário do pesquisador
O poema “A sutileza e a força do sorriso” integra o volume “Poemas (quebrados) do cárcere”, publicado por Gilney Amorim Viana em 2011. Na “apresentação do autor”, o poeta afirma: “Estes raros e quebrados poemas foram escritos na década passada, quando estive encarcerado pela ditadura militar. Acredito que refletem minhas afetividades, dúvidas existenciais, certezas políticas e ideológicas vividas naquele período” (2011, p. 9). Sobre a segunda parte do livro, na qual está inserido “A sutileza e a força do sorriso”, Gilney Viana informa: “Já os poemas seguintes foram escritos na Penitenciária Regional de Juiz de Fora, situada no bairro de Linhares, onde estive preso durante o período de 1970 a 1977. A conjuntura estava marcada pela ofensiva da ditadura militar contra todas as forças de oposição, armadas e não armadas, inclusive nos cárceres políticos controlados pelos militares dos serviços de informação, como a Penitenciária de Linhares. Para nós, presos políticos, só existia uma alternativa: a resistência física, psicológica, ideológica e política e, porque não dizer, também poética” (2011, p. 9).