A sede nossa de cada dia

Maciel de Aguiar

  A SEDE NOSSA DE CADA DIA

 

 

             À memória de Zumbi dos Palmares, 

             Negro Rugério,
             Benedito Meia-Légua, 

             Clara Maria do Rosário 

             e Zacimba Gaba:
             Heróis da causa da libertação.

 


Há sede na boca
dos que clamam
num derradeiro momento de luz,
entre o estilhaço
que lhes navega a carne
e o grito na garganta
que lhes emudece os sentidos.
Há sede na boca dos que agonizam
aos pés dos algozes,
como um rio que implora,
diante do fim
de seu pequenino curso,
frente o mar revolto
que lhe traga a vida.
Há sede na boca dos que peregrinam
em busca da terra
orvalhada pelas noites
de agonia
e pavor,
como um pedaço de esperança
que cai dos céus,
feito uma estrela cadente 

rasgando o Universo
na busca angustiada da paz. 

Há sede na boca 

dos que imploram 

pelo pão de cada dia, 

quando o amanhã brota ao longe 

com o sofrimento do filho 

remoendo a gosma do ventre 

e estendendo as mãos 

em busca de piedade.
Há sede na boca 

dos que choram
suas lágrimas de sangue 

num grito de dor 

e insurreição,
como uma vida partida, 

dividida entre a capitulação 

e a resistência,
implorando diante do carrasco
que se agiganta frente seus olhos, 

onde não há luz
e só os perseguidos
se atrevem a enfrentar 

os atrozes assassinos.
Há sede na boca
dos que procuram
seus mortos pelos corredores,
pelos escombros,
pelos necrotérios,
fazendo promessas aos céus
e implorando para também
não serem arrastados.
Há sede na boca
dos que sonham
com um lugar onde não haja grades
emoldurando o horizonte,
e o silêncio das paredes
não seja o único
testemunho das confissões 

arrancadas da boca
dos que escarram placas
de sangue pelos cantos,
os que encontram sua desgraça 

e oferecem a vida 

ao panteão da tirania… 

Há sede na boca
dos que procuram
pelos meninos-guerreiros 

que abrem o peito a receber 

as balas assassinas
dos fuzis dos soldados
em estado de prontidão.
Há sede na boca
dos que cavam.
com os dedos descarnados,
as próprias sepulturas, 

e imploram por um tiro
no coração.
no peito.
na face.
uma dose de veneno,
uma corda no pescoço, 

para aliviar a dor. 

Há sede na boca 

dos que clamam 

por Liberdade.


                     São Mateus-ES, 25.8.68

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