A REVOLUÇÃO QUE FAÇO
"Caminhante, não há caminho.
Faz-se caminho ao andar."
Antônio Machado
A revolução que faço
é com as palavras que carrego.
São as armas de que disponho,
são os canhões que disparo
contra os que me fecham os caminhos,
os que me impedem os meios,
os que me dificultam os passos.
Trago a verve carregada
com as palavras que aprendi
no ofício de saudar a vida.
Disparo o meu poema feito um fuzil,
alimento minha esperança
no sentimento dos poetas,
e enfrento o destino
com os livros em punho,
me entrincheirando em cada beco,
me escondendo em cada bar,
emergindo nas noites
e desaparecendo nas manhãs,
entre os transeuntes da cidade.
Sou um revolucionário
com a mais pacífica
e bela das armas,
e só sei fazer poemas
como quem atira uma indignação
contra o peito da tirania,
contra as garras do regime
que aniquila a Liberdade.
A arma que disparo
é a mesma que me alimenta,
a mesma que me liberta,
a mesma que me consola,
a mesma que me faz sonhar,
a mesma que me faz viver.
Aperto o gatilho
com a força de um axioma
e o sangue das veias
pela defesa de um sonho,
pelo direito à vida,
por um mundo sem opressores,
por uma pátria sem oprimidos.
Faço minha pontaria
contra a ganância de uns
para aumentar o lucro,
aumentar a fome,
aumentar a dor,
aumentar a ignorância
e a desgraça alheia.
Faço minha poesia
contra as atrocidades
nas salas de tortura,
nas trevas incomensuráveis,
sob as Ordens do Dia
e aos olhos da tirania.
Faço minha arte
contra a ira dos assassinos,
a desigualdade social,
a miséria absoluta,
a falta de moradia
e a ausência de felicidade.
Descarrego minhas palavras
por um pedaço de terra
para os que precisam
cultivar seu alimento,
os que peregrinam
em busca do amanhã.
Descarrego minha verve
contra os atos de injustiça,
o abuso de poder,
a morte sem sepultura,
sem direito à cruz,
sem direito ao atestado.
Descarrego meu sentimento
contra o cerceamento do Direito,
a falta de escola,
a falta de saúde,
a falta de trabalho,
a falta de cidadania.
Não quero ser um poeta
distante da rua,
que declama versos sob aplausos
mas não enxerga os nomes
na Lista dos Desaparecidos,
dos banidos,
dos que jamais encontrarão
o caminho da volta.
Não quero ser um poeta
declamado pelas misses,
enquanto uma geração
deixa o sangue nas prisões,
perde as unhas nos quartéis,
os dentes,
a dignidade.
Não quero ser um poeta
numa redoma de vidro,
que lambe os excrementos
dos generais assassinos,
que escreve para ser publicado,
que pensa que é um deus,
que lava as mãos feito Pilatos,
não quero ser imortal.
Em mim fervilha um sangue
incandescente em palpitação
pelo direito à vida,
ante os atos de injustiça,
diante da impunidade
a empurrar contra o mundo
frente a todos os senhores
que dão ordens despudoradas:
— Matem os poetas!
— Matem os poetas!
— Matem os poetas!
Por isso não sei se vivo
ao menos os vinte anos,
tenho pressa,
tenho pressa,
tenho pressa…
Mas não quero ser um poeta
para ser lido nos conventos,
não quero ser canonizado,
não quero ser recitado,
não nasci para santo.
Não quero dar autógrafos,
não quero ser candidato,
não quero título nobiliário,
não quero dar entrevista,
não quero anel de grau,
não quero a glória dos omissos,
não quero uma coroa de ouro,
não quero um trono de rei,
não quero olhar para o próprio umbigo,
não busco a mediocridade.
Escrevo como quem guarda
um retrato de seu tempo.
E a revolução que faço
é pela Liberdade.
Ponte Nova/MG, 10.5.70