A prisão

Pinheiro Salles

Há sangue

quando pontes pontos ponteiros

tecem e destecem a pressa.

Sangue

nos automóveis e estampidos.

Sob tetos aterrorizados.

Sobre o cemitério da praça.

 

Há sangue

nos gritos e gemidos mortos

entre as paredes do calabouço.

Sangue

debaixo do capuz de chumbo.

Sangue e suor dissimulando

a humilhação dos membros nus.

 

Há sangue

espalhado com fios, alicates

e macabros instrumentos.

Sangue

tingindo fímbrias da resistência:

absorvendo onírico recurso,

forçando refúgio em outro reino.

 

Escuta como a cascata canta

e os pássaros revoam em direção

aos penhascos por onde passearemos.

Mais longe se agitam florestas,

mais longe moram ventos e murmúrios

e rios e animais e os mil mistérios

que juntos nós iremos desvendar.

 

Quando não tiver nada para te dizer,

passarei horas rindo e ouvindo teu riso.

Árvores crescerão no espaço azul.

A natureza nos abrirá seus seios

para mamarmos a seiva da eternidade;

roldanas erguerão música nas manhãs,

bocas abrigarão orvalhos e abelhas.

 

Não posso, não é possível

falar-te dos caramanchões cobertos de sol

ou do chão debaixo dos girassóis.

 

Eu me recosto em ossos de irmãos,

em restos de rótulas dilaceradas.

 

As sepulturas fortalecem os muros

e a noite sepulta os marinheiros.

 

Rosas em cinzas são convertidas;

casas onde se forjava o novo mundo

se submergiram na merda consumada.

 

Sobrevivo nos sórdidos porões das galerias

em que escarram os carrascos.

 

    La noche puede durar y durará todavía

    El alba es ofício de sobrevivientes.

   (Mario Trejo)

 

Não vou aceitar o sangue no cimento

nem o planeta pendurado

em ganchos de açougueiro.

Se há o terror da tortura permanente,

inda vicejam embarcações e constelações.

 

Parecem impermeáveis as paredes que me prendem,

irremovíveis as chaves que fecham minha visão.

 

Todavia, na vasta vigilância da História,

o silêncio chora, a certeza quer cantar.

A aurora amadurece e as mudas esperanças

vislumbram aves que atravessam

a estreita faixa do firmamento.

 

DOPS de Porto Alegre (RS), 1970

 

 

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— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

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Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

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