A PRECE DOS ESCRAVOS
Ó Deus, Senhor meu Deus, escuta-me, Senhor.
Fura-me os olhos para que eu não possa ver
cadáveres de mendigos que o Lacerda afogou
boiando no rio da Guarda.
Torna-me surdo para que eu não possa ouvir
os gritos das vítimas torturadas no DOPS.
Arranca-me a língua para que eu não murmure
um protesto sequer.
Esvazia-me a cabeça para que eu não tenha raciocínio
e permaneça mais bronco que o governador Ademar.
Corta-me as mãos para que eu não possa escrever
o livro, a poesia, a dor dos desgraçados.
Quebra-me as pernas
para que eu fique de joelhos para sempre
e possa implorar a migalha da Aliança para o Progresso
e receber as chibatadas do governo de Washington.
Transforma-me num eunuco
para que eu seja membro do Parlamento brasileiro.
E que depois de tudo isso eu possa agradecer-te,
ó Deus, Senhor meu Deus,
por teres feito de mim uma criatura de Castelo Branco,
um brasileiro sem fibra amoldado aos "gorilas".