A poesia

Ferreira Gullar

A POESIA

 

 

Onde está
a poesia? indaga-se
por toda parte. E a poesia
vai à esquina comprar jornal.

 

Cientistas esquartejam Púchkin e Baudelaire.
Exegetas desmontam a máquina da linguagem.
A poesia ri.

 

Baixa-se uma portaria: é proibido
misturar o poema com Ipanema.
O poeta depõe no inquérito:
meu poema é puro, flor
sem haste, juro!
Não tem passado nem futuro.
Não sabe a fel nem sabe a mel:
é de papel.
Não é como a açucena
que efêmera
passa.
E não está sujeito à traça
pois tem a proteção do inseticida.
Creia,
o meu poema está infenso à vida.

 

Claro, a vida é suja, a vida é dura.
E sobretudo insegura:

    “Suspeito de atividades subversivas foi detido ontem
    o poeta Casimiro de Abreu.”
    “A Fábrica de Fiação Camboa abriu falência e deixou
    sem emprego uma centena de operários.”
    “A adúltera Rosa Gonçalves, depondo na 3ª Vara de Família,
    afirmou descaradamente: "Traí ele, sim. O amor acaba, seu juiz.”

 

    O anel que tu me deste
    era vidro e se quebrou
    o amor que tu me tinhas
    era pouco e se acabou

Era pouco? era muito?

    Era uma fome azul e navalha
    uma vertigem de cabelos dentes
    cheiros que transpassam o metal
    e me impedem de viver ainda

Era pouco? Era louco,

       um mergulho

no fundo de tua seda aberta em flor embaixo
                                           onde eu morria
Branca e verde
branca e verde
branca branca branca branca
                           E agora
recostada no divã da sala
     depois de tudo
     a poesia ri de mim
Ih, é preciso arrumar a casa
que Andrey vai chegar
É preciso preparar o jantar
É preciso ir buscar o menino no colégio
lavar a roupa limpar a vidraça
                              O amor
(era muito? era pouco?
era calmo? era louco?)
                              passa
A infância
passa
a ambulância
passa
             Só não passa, Ingrácia,
             a tua grácia!

 

E pensar que nunca mais a terei
real e efêmera (na penumbra da tarde)
como a primavera.

 

                 E pensar
    que ela também vai se juntar
    ao esqueleto das noites estreladas
          e dos perfumes
          que dentro de mim gravitam
          feito pó
(e um dia, claro,
ao acender um cigarro
talvez se deflagre com o fogo do fósforo
seu sorriso
entre meus dedos. E só).

 

Poesia – deter a vida com palavras?
                    Não – libertá-la,
fazê-la voz e fogo em nossa voz. Po-
                                    esia – falar
                                    o dia
acendê-lo do pó
abri-lo
como carne em cada sílaba, de-
flagrá-lo
          como bala em cada não
          como arma em cada mão

 

          E súbito da calçada sobe
          e explode
          junto ao meu rosto o pás-
                                   saro? o pás-
                                   ?
Como chamá-lo? Pombo? Bomba? Prombo? Como?
                                           Ele
bicava o chão há pouco
era um pombo mas
        súbito explode
em ajas brulhos zules bulha zalas
                                 e foge!
          como chamá-lo? Pombo? Não:
          poesia
          paixão
          revolução

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— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

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