A PAZ
A paz oferece suas mãos
aos tiranos que fogem em pânico
pelas ruas apressadas
das cidades possuídas
pela sede da tirania.
A paz oferece suas mãos trêmulas
aos ditadores antropófagos
que vomitam cólera
sobre as vítimas,
devoram as vísceras dos homens
e se alimentam dos fetos
das mulheres extirpadas.
A paz oferece suas mãos
aos saqueadores da felicidade,
que se escondem atrás da porta
e morrem de medo das flores
que brotam em cada jardim.
A paz oferece suas mãos
aos senhores donos do mundo,
que fecham as portas
intransponíveis dos impérios,
escondendo-se da Justiça
e fogem da Lei,
como quem não quer perder os domínios.
A paz oferece suas mãos
aos torturadores de todos os cárceres,
que apoderam-se das unhas
das vítimas indefesas
enfiando-lhes alfinetes
nos sabugos enquanto se extasiam
diante da dor infame.
A paz oferece suas mãos
aos sistemas desumanos,
que rejeitam a tentativa
da felicidade para todos,
que apostam nas guerras
como forma de enriquecimento
e investem nos conflitos
entre pessoas
e nações
como meio de sobrevivência.
A paz oferece suas mãos
aos exploradores dos povos,
que descartam a possibilidade
do direito supremo à vida
e criam o terror oficial
contra a voluntariedade dos jovens
que habitam as faces da terra.
A paz oferece suas mãos
aos regimes tiranos do mundo,
que procuram os rebelados
pelos esconderijos das cidades
alimentando a ira
assassina que se apodera
e açoita os desprovidos
para os quintos dos infernos,
como quem afugenta os cães.
A paz oferece suas mãos
aos torturadores encapuzados,
que afiam as garras,
lubrificam os alicates,
molham as toalhas,
desenrolam os fios,
preparam o pau-de-arara
e convidam os generais
para o banquete das carnes
que encontram a desgraça
em seu tempo de abandono.
A paz oferece suas mãos
aos que procuram a luz ínfima
no fim do longo túnel,
os que se agarram às esperanças
e se juntam aos miseráveis
para a libertação dos condenados
sem julgamento,
sem culpa,
sem crime,
sem direito à sepultura.
A paz oferece sua bandeira
como a alvura do leite
a todos os cidadãos do mundo.
E eu ofereço à paz
esta canção impossível
de ser cantada nas ruas.
Ponte Nova-MG, 18.6.70