A PALAVRA SEPULTADA
Hoje eu queria dizer-lhe muitas coisas,
de resto, ninguém mais poderia ouvir-me.
Seu coração receba o vento de minha dor.
A porta do calabouço cerrou os dentes
sobre meus ossos.
A morte visita minha boca
num murmúrio sepultado e inútil.
Sinto enorme o peso das palavras.
É quando a mudez se tornou vício.
É quando o muro não cercou o corpo apenas
e há coisas necessitando explodir.
É quando a palavra dita não vem do cerne
e se perde na cinza.
Eu queria dizer-lhe muitas coisas.
Não há como fazê-lo.
Na cela ao lado, um companheiro morto.
Algo a dizer sobre isso?
O que pode o grito se não se perpetua?
As palavras estão gastas, mortas por dentro.
Meu corpo será meu grito,
embora hoje permaneça mudo
e sem esperança de compor um canto urgente.
Hoje eu queria dizer-lhe muitas coisas...
(73/75)
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "A palavra sepultada" integra a seção “Poemas do Calabouço”. A segunda edição de "Poemas do povo da noite" (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009) apresenta um texto introdutório intitulado “Explicação necessária”. Nessa introdução, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “A palavra sepultada” na página 35, informa que esse poema foi escrito em 1973/1975.