A noite em trevas

Maciel de Aguiar

 A NOITE EM TREVAS

 

 

 

A noite em trevas cai
como pétalas ao chão
sobre os corpos que se afogam 

no ácido que queima 

as feridas da alma,
enquanto os veios penetram 

as entranhas da terra… 

A noite em trevas derrama 

medo
e aflição
sobre os que se escondem. 

O menino trêmulo sonha 

com a rua no horizonte 

e aperta as pálpebras 

à espera dos demônios, 

que no fundo do quintal 

fustigam com os cornos 

os corações venturosos… 

Dos casarões de antanho 

saem dezenas de querubins 

com espadas de luz 

para afugentar os soldados 

que sangraram o peito 

do estudante Edson
com as armas assassinas.
A noite sem pressa ocupa 

todos os espaços da dor, 

enquanto nas paredes 

as fotografias dos ancestrais
estão expostas ao tempo. 

Ninguém cobre os olhos, 

ninguém se lembra das aflições, 

ninguém se livra dos mortos. 

No quarto,
o menino sob o manto do medo 

derrama suor em bicas,
e recorda-se dos lábios do tio 

que comprava e vendia fazendas 

sem enfiar a mão no bolso, 

e hoje só lhe restam duas porteiras. 

Lembra-se ainda da aflição 

da prima Luzia, 

que deixou no altar
o noivo esperando.
Recorda-se da mão de pelica 

da avó Lavínia,
que tecia longos bordados, 

enquanto o velho Cercinílio
galopava num cavalo alazão 

pelas campinas do Quadrado,
ainda a procura de escravas quilombolas 

para os idílios proibidos.
Do pai,
sempre à cabeceira da mesa,
guarda os bigodes,
o tempo ainda não amarelou suas faces… 

Nélson,
o irmão mais velho,
no degrau da calçada,
acena triste pela derradeira vez. 

A noite cai sobre as lembranças 

e encobre com um lençol de breu 

os que se escondem.
A mãe,
zelosa de tudo,
com sua toalhinha de linho, 

enxuga a testa úmida do menino 

que sonha o mesmo sonho
dos que buscam a Liberdade.
A noite derrama o caudal de mistérios
sobre todos os que vivem
as primeiras aventuras.
A noite em trevas
parece que nunca terá fim.

 


                          São Mateus-ES, 7.12.68

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