A multidão em marcha

Maciel de Aguiar

 A MULTIDÃO EM MARCHA

 


       À memória de Édson Luís de Lima Souto, 

       estudante-mártir da luta pela Liberdade.

 


A multidão em passeata 

traz nos braços o corpo 

do estudante vazado 

pelas balas dos soldados, 

naquele 28 de março.
Milhares em marcha pela vida, 

milhões em marcha pela Pátria, 

trazendo nos sonhos de uns 

a solidariedade estudantil. 

No chão do Calabouço

o sangue é venerado 

em vigília contrita, 

as velas iluminam 

os passos em descompassos, 

o País acompanha 

a trajetória de todos 

em marcha carregando 

os mortos num clamor 

que invade a cidade: 

— Poderia ser seu filho!

— Poderia ser seu filho!

— Poderia ser seu filho!

Gritos uníssonos 

ecoando dentro do peito, 

ainda na cidadezinha
perdida no anonimato, 

numa só indignação: 

— Assassinos!

— Assassinos!
— Assassinos!
A desobediência civil

ocupa as ruas distantes,
as praças, 

os becos, 

as cidades,
cada qual com um menino 

morto no coração;
milhões de meninos sem escola,
milhões de meninos com fome, 

milhões de meninos vazados, 

carregados nos braços
por milhões de outros meninos 

sem perspectivas,
sem esperança,
sem anseio,
sem destino,
sem futuro,
cada um com uma bandeira
desfraldada sobre os caixões.
As mães,
inconsoláveis,
agarram-se aos que ainda vivem:
— Por favor, não vá!
— Por favor, não nos abandone!
— Por favor, não nos deixe esperando!, 

suplicam frente os venturosos,
dezenas,
centenas,
milhares
de mães pelas ruas
numa única dor.
A multidão marcha, 

empurrando para trás 

os soldados
e as baionetas,
enfrentando os tanques,
desafiando os generais,
denunciando a tirania, 

desrespeitando o regime, 

trazendo a indignação. 

A multidão em passeata 

caminha contra a ditadura. 

Nos braços os corpos 

dos estudantes-esvaídos; 

na boca um clamor 

que invade as casas, 

ocupa as praças, 

possui as pessoas, 

desafia o poder,
sem medo de perder a língua, 

sem medo de mostrar os dentes, 

sem medo de ficar muda: 

— Assassinos!
— Assassinos!
— Assassinos!
O brado pelos escombros
quebra as vidraças,
intimida as armas,

assusta o regime
em gritos de revolta 

que invadem os céus:
— Poderia ser seu filho!…   

— Poderia ser seu filho!…

— Poderia ser seu filho!…

A multidão em marcha
faz ressuscitar os mortos, 

ao menos dentro dos poetas…

 

 

                     Rio de Janeiro, 20.3.72

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Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

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Rafael Fava Belúzio

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Ana Clara Magalhães (UnB)

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