A morte na alameda

Maciel de Aguiar

A MORTE NA ALAMEDA

 


        À memória de Carlos Marighella, 

      emboscado pela Polícia Política.

 


Na Alameda Casa Branca, 

um homem possuído
pela coragem no peito 

enfrentou os assassinos, 

em emboscada ardilosa 

na noite da Paulicéia.
Na Alameda lavada em sangue, 

as balas rasgaram os ares

em todas as direções, 

chumbo vazando a carne 

num inferno ensurdecedor. 

Os estilhaços romperam, 

dilacerando as entranhas 

e abrindo no corpo de lutas 

um caminho sem volta, 

diante da indignação 

dos infantes aprendizes 

do ofício da Liberdade: 

– O que houve na Alameda,

  o que houve?

– Que emboscada foi essa

  emboscada?
Que tragédia foi essa
  tragédia?
Os jornais contam a versão
dos vencedores que se embriagam 

sobre o cadáver dos vencidos. 

Apenas um homem,
apenas uma vida,
apenas uma pessoa,
apenas uma história
e uma cidadania esvaída. 

As bocas se perguntam 

pelos esconsos,
pelos becos, 

pelos breus:
Que morte é essa, que morte,
que matou um pouco
cada um dos nossos sonhos, 

cada um dos nossos passos, 

cada um de nós?
Que morte é essa, que morte? 

Na Alameda Casa Branca, 

escorre sangue incandescente 

nas noites de novembro. 

Meninos choram
pelas celas
um lamento sem fim; 

poetas marginais lêem
e escrevem canções no breu 

diante dos que choram 

pela história de uma vida 

que terminou a aventura. 

Na banca de jornal, 

as manchetes continuam 

explorando a tragédia, 

assustando as pessoas 

com as versões permitidas. 

As bocas sob mordaça 

perguntam aos demônios:
– O que houve na Alameda 

  Casa Branca esvaída,
  o que houve?
Que desgraça foi essa

  desgraça que não sabemos? 

Só a verdade dos vencedores 

prevalece sobre a tragédia, 

e o ontem nasceu do hoje 

diante da Pátria tomada 

pelo pânico da incerteza. 

Na Alameda sob a noite, 

um homem entregou a vida 

nas mãos dos assassinos. 

Milhares de esperanças 

esvaem-se pelos vãos dos dedos, 

enquanto a voz dos tiranos 

penetra em nossos ouvidos: 

– Emboscaremos a todos,

  em cada praça, 

  em cada rua,
  espalharemos alamedas 

  em todas as direções… 

O medo invade a todos 

com a tragédia,
a desgraça,
o tormento
e a dor
do chumbo vazando a carne, 

frente o tiro traiçoeiro: 

– Cairemos juntos…

– Cairemos juntos…

– Cairemos juntos…,

diremos numa só voz.
Na Alameda, sobre nossos dias,

como um pesadelo infernal, 

um homem emboscado caiu,
caiu,
caiu,
caiu,
deixando órfãos muitos que sonham.
Na Alameda Casa Branca,
um rio de sangue rubro
escorre de nossos olhos… 

 


                         Rio de Janeiro, 16.2.72

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Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

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