A menina e o pássaro
O pássaro acuado
Acuem o pássaro
Ele está em liberdade
O pássaro está cercado
Ah, cercaram o pássaro de asas
amarelas
Uns têm gaiolas
Outros alçapões
Gaiolas de ouro
Alçapões de prata
Mas o pássaro está livre,
No meio dos arranha-céus
Olhem,
O pássaro voou
Pousou
Cercaram o pássaro em volta
de um abacateiro
Gaiolas de ferro
Alçapões de prata
Fizeram um cerco em forma de funil
Prenderam o pássaro
Olhem, o pássaro voou
Dizem que foi uma menina quem
O soltou
(De Norma Bengell para LAMPIÃO)
Comentário do pesquisador
O poema foi publicado em julho de 1978, em Lampião da Esquina, jornal alternativo que, entre outros temas, abria espaço à retratação de questões ligadas à homossexualidade de maneira literária ou jornalística e que se tornou, durante o período de circulação (1978 a 1981), um veículo de comunicação para muitas vozes minoritárias: a população negra, operária, travestis, transexuais, lésbicas, michês e prostitutas. No cenário de opressão e violência promovido pela ditadura militar, em que a política da moral e dos bons costumes aprisionava, torturava e matava seus dissidentes, a existência de um jornal como o Lampião, por si só, já foi um ato de resistência à ditadura. No poema de Bengell (1978), o eu-lírico descreve um pássaro de asas amarelas, acuado, cercado e preso por “gaiolas de ferro” e “alçapões de prata” e, sabendo-se da característica provocativa que Bengell imprime em seus textos, como se evidencia em uma entrevista que acompanha a publicação do poema no jornal, pode-se deduzir que o pássaro do poema se refere tanto às questões que envolvem a sexualidade dos grupos minoritários, em especial a feminina, quanto à situação do aprisionamento e censura pela qual o país vinha passando.