A justiça da morte

Maciel de Aguiar

A JUSTIÇA DA MORTE

 

A justiça julga os vencidos 
com a lei dos vencedores. 
O juiz com a toga,
o promotor com a arrogância,
o desembargador com a majestade, 
o ministro como um deus, 
todos colocam os pés 
sobre o corpo algemado
dos que cometeram os crimes 
da consciência despertada. 
O tribunal com jurados 
intimados sob vara, 
para ouvir o blá-blá-blá 
por horas de desperdício, 
já que as provas são descartadas
e a verdade jogada ao lixo. 
Nada mais libertará
aqueles corpos condenados 
antes mesmo do julgamento, 
feito Cristos de nossos dias… 
Os advogados descabelam-se, 
mostram as unhas arrancadas 
daqueles corpos no banco 
dos réus feito mortos-vivos. 
Exibem as marcas do suplício, 
os hematomas na pele, 
os dentes partidos na raiz, 
as tíbias tortas em fraturas, 
as equimoses espalhadas, 
os joelhos genuflexos, 
os testículos em orquite, 
os pés com açoites,
as mãos queimadas a ferro, 
as narinas fumegantes,
os dedos amassados
como provas do único crime 
cometido naquela sala 
de austeridade 
e falácia.
O juiz bate o martelo, 
o promotor bate as patas, 
o desembargador palita os dentes, 
o ministro, por ser um deus, 
diz que está muito atarefado, 
cheio de processos em pilhas 
sobre a mesa intangível… 
— Condenados a mil anos
   de horror e padecimento 
   e nada será lembrado 
   às gerações futuras. 
   Tudo ficará esquecido 
   sob a pedra do tribunal…  
A justiça julga os torturados 
com a lei dos torturadores. 
Não haverá clemência 
para quem aos vinte anos 
louvar a Liberdade,
escrever versos proscritos, 
despertar a consciência, 
seguir o rumo desejado, 
dizer não à tirania,
acalentar a esperança,
lutar com as próprias armas, 
sonhar com o futuro
diante da Ordem do regime:
— Que todos aos vinte anos 
   farão continência nos quartéis, 
   jurarão amor à bandeira,
   fidelidade ao hino,
  obediência aos generais, 
   serão subservientes, 
   comportados
  e omissos,
  andarão no padrão da moda, 
   serão lacaios,
  e covardes…
— Que todos aos vinte anos 
   procurarão nas livrarias 
   os livros permitidos 
   pela censura do regime, 
   elogiados pela crítica, 
   preferidos pelas misses, 
   aplaudidos pelo sistema… 
Não haverá aos vinte anos 
perdão aos venturosos, 
os que saírem de casa 
em busca do destino, 
os que sonham acordados, 
os que traçam seus rumos, 
os que escrevem canções 
em homenagem aos vencidos. 
A justiça de hoje julga, 
com uma lei corrompida, 
todos os já condenados… 

                                    Rio de Janeiro, 19.3.72

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