A HORA DOS MORTOS
Esse homem está morto.
Morto há muitos anos.
Em sua boca a palavra
se desfaz em cinza
como o vento do deserto.
Ele próprio se deu conta
dessa morte. E se alegra.
No exercício da dor não
se permite emoções inúteis.
(Raros tiveram tempo de chegar a tanto.)
Adivinho na boca dos oprimidos,
algumas perguntas:
"Onde a mãe de tais filhos?
Onde estávamos que não
percebemos a chegada dos mortos?
Que não nos rebelamos
contra o governo dos mortos?"
Talvez a noite excessiva.
O ruído das fábricas talvez
não lhes tenha permitido ouvir.
Era noite avançada
e muitos permaneceram adormecidos. . .
Deixo na parede da cela esses versos.
Não se dissolvam, palavras ditas ao muro.
Os olhos de algum perseguido os guardem
e eu volte a encontrá-los um dia,
na boca do meu povo.
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Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "A hora dos mortos" integra a seção “Poemas do Calabouço”. A segunda edição de "Poemas do povo da noite" (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009) apresenta um texto introdutório intitulado “Explicação necessária”. Nessa introdução, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “A hora dos mortos” na página 41, informa que esse poema foi escrito em 1974.