A GERAÇÃO DO MEDO
Para além da cinta do horizonte
apertam-nos os punhos
e caladamente as nuvens se dissipam
cada vez mais longe
apertando-nos os punhos.
nossas cabeças esvaziadas
nas gerações que demos ao mundo,
ungidos todos pelo limo das prisões.
nossos frutos crescem sem sabor nem cheiro
e os acusamos de traírem a semente
mas eles, inocentes, nem sabem da traição.
são filhos da geração do medo
e já viram o sol quando era noite de dia.
mas de qualquer ordem lhes veio a coragem
de andar pelas ruas, vazias as mãos.
nossos filhos são frutos que não meditam
além da mesa onde o jantar acontece
quando não são apenas olhares de lagarto assustado
que ouve passos e se esconde no mato à espreita
do direito ao lixo.
são filhos da geração do medo
cujo grito calado bloqueou a artéria
e a descompressão foi feita
esvaziado o pensar.
querem flores e hinos no meu sangue
mas no meu sangue há apenas sangue
e medo de falar e medo de calar
porque nossos filhos...
são nossos filhos
e precisamos que sejam filhos do seu tempo
esse tempo que construímos
com silêncio e morte.
sem horizontes, esse tempo é frio.
sem horizontes, esse tempo é feio
para nossos filhos.
plantar e arar a terra
é necessário agora
quando tudo se esqueceu para durar
como os carvalhos antigos
apenas dando sombra.
a geração do medo desfila e quer pensar
quer dizer, contar, lembrar.
só a história planta a consciência
no opaco momento.
bordadeira desesperada, a geração do medo
cata retalhos
tinge peças
e tenta construir
mostra sua face e distribui o antigo desabafo.
como ficou difícil ser,
mas foi sempre difícil ser em vão.
junho, 1978