A dança das cabeças

Maciel de Aguiar

A DANÇA DAS CABEÇAS


Bailam as cabeças decepadas
pela lâmina das guilhotinas,
e os generais com o peito povoado
embriagam-se pelos séculos
com os corpos sob pés, 
cuspindo nos olhos dos mortos. 
A vida sobre o chão
está por um fio 
flácido-estendido 
entre a cólera
e a Liberdade:
Perigosa travessia …, 
alerta Zaratustra aos ouvidos, 
enquanto nas covas rasas 
dos cemitérios clandestinos 
exala-se o enxofre. 
No panteão do planalto 
os algozes desfilam 
grandezas em gargalhadas 
ao som da música hilariante 
que invade os corações:
Noventa milhões,
  pra frente Brasil!,
que um estranho labirinto nos espera.
Quantas cabeças dançam
ao som da melodia
que contagia a todos? 
Quantas crianças famintas 
trocam um pedaço de pão 
pela propaganda anestésica? 
Quantos pais se rebelam 
contra os filhos fugidios? 
Mas os generais sentenciam 
do alto de sua glória: 
— Ame-o ou deixe-o!
— Ame-o ou deixe-o!
— Ame-o ou deixe-o! 
Quantas mães choram 
por seus meninos esvaídos, 
que se foram levados 
nos braços da multidão 
em passeatas pelas ruas? 
E um grito preso na garganta 
explode nos céus da pátria 
com as bandeiras desfraldadas: 
— Goooooooooooooooool!,
enquanto um outro,
pelas mãos do carrasco, 
é arrancado com as vísceras: 
— Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
A música contagiante invade 
os que pensam que vivem,
quando o grito da vitória 
se confunde com o da dor, 
e poucos sabem a diferença. 
Só os condenados
a conversar com os cadáveres
ouvem o pavor atroz.
E choram as mulheres viúvas, 
choram as noivas sedentas de amor. 
Os que agonizam nas prisões, 
os que são jogados ao mar, 
os que são levados ao suicídio, 
não mais possuem forças. 
No Palácio do Planalto, 
sobre as vidas dos mortais, 
as gargalhadas quebram 
as vidraças em estilhaços… 
Oh! Niemeyer, 
gênio da forma
e da arquitetura,
projete uma bomba
silenciosa
e precisa
que leve o câncer à garganta
dos que riem da dança 
de nossas cabeças a prêmio…   
A música ufanista 
contagia o sentimento, 
todos cantam,
todos cantam,
todos cantam,
pelas esquinas,
pelas praças,
pelas ruas, 
pelas casas, 
carregando o orgulho
dos tricampeões do mundo. 
Mas nos subterrâneos 
também ganhamos títulos:
— São as cabeças dos meninos 
   que bailam decepadas 
— São os corpos dos venturosos
   oferecidos aos tiranos
–— São os cidadãos do mundo….
— São os cidadãos do mundo….
— São os cidadãos do mundo….
Enquanto umas cabeças cantam, 
outras bailam, 
bailam,
bailam,
bailam
pelos esconsos sem fim.
Com certeza, nem todos
fazem parte dos noventa
milhões em ação.

 

 

Ponte Nova-MG, 23.7.70

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