A carne aberta

Maciel de Aguiar

A CARNE ABERTA

 

O peito abre-se ao meio

a esperar o tiro

assassino disparado

pelo soldado em prontidão;

o peito de Frei Caneca,

o peito de Domingos Martins,

o peito de Garcia Lorca,

o peito de ‘Chê’ Guevara,

o peito de Maiakovski,

o peito de Édson Luís,

entre tantos outros

esquecidos pela História.

A carne aberta espera

a bala assassina fumegante

que deixa o rastilho

de pólvora seca dos ares

como a anunciar mais um crime

que nunca será visto,

nunca será descrito,

nunca será punido,

nunca será lembrado,

nunca será levado

às barras do tribunal.

É a carne dos meninos

guerreiros com os sonhos

acalentados nos anos

em que vivem procurando

a Liberdade esvaída

pelos vãos dos dedos

pisoteados de muitos,

que ainda não se deram

conta de que nunca mais

poderão retornar ao chão 

da Pátria que lhes emprestou o nome

para a nacionalidade cravada

na pele de aventura.

É a carne dos infantes

que sai às ruas em passeata,

carregando os mortos

e as mais diferentes formas

de vidas ceifadas

nos mais diferentes cantos

espalhados pelo mundo

destes dias tão estranhos

em que muitos ainda cavam

com as mãos a sepultura

e outros sem força escrevem

cartas com o próprio sangue.

É a carne dos que imprimem

versos para ninguém,

e que desde Federico

traspassado em Granada

abrem o peito frente às armas

que lhes dilaceram em dor.

São baques em forma de tiro,

são temores em forma de estanho,

são sentimentos em forma de pólvora,

são feridas em forma de chumbo,

são chagas em forma de lua,

são injustiças em forma de espinho,

são infâmias em forma de fuzil.

O peito abre-se ao meio

ao encontro com as balas

assassinas dos soldados

apontadas na direção

de Marighella,

de Zequinha,

de Lamarca,

de Mário Alves,

entre tantos outros esvaídos.

A carne ainda pulsa

a angústia letal

que deixa a marca eterna

no corpo dos que agonizam

neste tempo de horror,

que nunca será esquecido,

nunca será destruído,

nunca será alijado,

nunca será sepultado,

nunca será apagado

da memória dos que viveram

o horror deste tempo.

É a carne dos meninos…

É a carne dos infantes… 

É a carne dos que escrevem…,

versos para os séculos lerem

num dia qualquer de luz

que virá com a claridade 

sobre todos os infortúnios.

 

Rio de Janeiro, 18.11.72

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