A CANÇÃO DO DEUS VENTO
PARA ZÉ RIBEIRO, DE FORMOSO (1964, ABRIL)
Minha pele secava
me costuraram de intrigas;
eu estava de roupa,
uma roupa de espantalho,
nas mãos as estrelas;
andei a cidade de Goiânia
ouvindo de tarde e à noite
e até alta madrugada
o barulho das sirenes.
me olhavam os policiais,
com a chegada das chuvas
fui retirado da vida,
todos os que comigo iam
estavam de quarentena,
com a chegada das chuvas
a gente ficava nos quartos
e repetiam os sonhos,
havia muita fome nesses dias,
espertos cercavam
humildes com coices.
a moça Alice se cansou,
esteve indo a Poxoréu,
partindo em busca de vida
e resolveu morrer
entrando janeiro novas prisões,
em fevereiro, o cereal
na terra pedindo chuva;
nossos cabelos cresciam,
nossos pés inchavam,
as faces amarelas
e o bocejo macaqueado
não escondiam o tédio.
de Lizarda se lembrava
e sem notícias,
sem recompensa, a safra,
alguns morriam
ou eram dados como
desaparecidos; o gordo
mecânico estrábico
nunca sabia de nada.
Grandes trovões ao cair da noite,
a páscoa chegando
com desesperança...
Eu, ah, sim, eu
José aurora chuva
José caminho mar,
José árvore, José rio,
José irmão, eu acredito
firmemente no sol,
na alegre conversa humana,
no grande negro que sabe rir,
na canção do deus vento,
nos grandes trovões terrenos!