5 Brasil, maio 27, mil novecentos e 72.
Amigo:
Aqui os passarinhos
quase suicidam de tanto cantar.
Pintores anêmicos vão esparramando
as cores mais sonolentas no poente.
Quando a gente levanta é preciso sempre
sacudir a decisão que continuou deitada.
Uns dizem agora é tarde, uns dizem ainda é cedo.
Nos livros sempre se acham flores negras.
E há um geral otimismo de que tudo vai piorar.
Em certas paradas horas a gente que aqui ficou
sente o sentimento oco de quem não está em casa.
Há pingüins que exilam derretendo em icebergs
e pingüins que exilam sem sair de casa
num refrigerador.
Desesperados estalam ibiscos
as samambaias crescem furiosamente
com essa chuva, amigo, esse calor.
A natureza não tem moral nenhuma.
As raízes bebem chuvas, puxam flores
ignorantes do inverno que curtimos,
dias curtos, noites
mais e mais compridas, quintais e mapas de sombra,
cogumelos, homens trocando silêncio
por mordaças, trançando palha,
o medo preso na grade das costelas.
Onde foi que erramos, onde?
e classicamente
o eco responde.