4. sobre a continência
§
o preposto no respaldo
do Primaz do heresiarca
grifa e versa esta mensagem
sob os fios da filigrana
sob as ordens da ordenança
no frasco de vossa essência
para o bem da continência
sob a nossa Primazia
contra o medo desta orgia.
na anestesia do teu sono
sob o ópio do meu mando:
—— o dique de tua luxúria neste leito /
a ponta desta agulha em meu desejo.
o gelo nestas veias do teu sangue /
a água sem vapor no vazio do meu tanque.
o estéril desta gula à beira do teu púbis /
o espectro do pecado no etéreo desta núvem —
nego e nutro
nos salmos de minha censura
a tábua de minha lei na pena de tua tortura.
Comentário do pesquisador
O trecho é apenas uma das partes da obra "Planoplenário", toda ela uma representação alegórica e poética da constituição de um estado totalitário. A abertura do livro é clara: "Todo livro é uma situação imaginária. O plano deste plenário se situa em qualquer lugar da realidade onde isto seja possível". Em entrevista a Giovanni Ricciardi, na obra "Biografia e criação literária: entrevistas com escritores de São Paulo" (2008), Mário Chamie afirmou a respeito de seu processo de criação a partir de "Planoplenário": "O meu processo vai da palavra até a realidade e depois da realidade até o poema. Vou dar um exemplo. No auge da ditadura militar, aqui no Brasil, me impressionou ouvir um político, na televisão, a expressão: 'o plenário sem mando'. A palavra 'plenário', associada à palavra 'mando' e ligada pela preposição 'sem', que me remeteu a 'vazio', apresentou-me uma imagem do plenário que me emocionou. Então comecei a pensar na situação política brasileira, no plenário que era 'pleno', mas que na verdade era 'plano', horizontal, não tinha substância, não tinha verticalidade. E a partir dessa instigação vocabular, eu tive o retrato de um momento histórico brasileiro dramático. E, a partir daí, eu comecei a ter na minha imaginação o desfile dos protagonistas deste plenário e deste poder, que, sendo poder, era vazio, porque era um poder submetido a um outro poder, que era o poder do totalitarismo, o poder militar e escrevi todo o arcabouço do meu livro Planoplenário, que depois passei a elaborar ao longo de mais alguns meses. Aí está um exemplo bem nítido do meu processo de criação."