16º DIA
Dedicado aos companheiros em greve de
fome no Rio em maio de 1975
Retorno da terra.
Raiz libertada pelo vento,
alimentarei a boca dos famintos.
Raiz amarga, torno-me palavra.
Hoje a palavra busca um tom de ferro
e endurece a carne dos homens.
Palavra leve, faço-me pássaro.
E meu canto é mais
o duro mastigar de cadeias na sombra.
Pássaro acorrentado, torno-me combatente.
Combatente, não assistirei mudo
à morte de meus irmãos.
Recolho a palavra, o canto, o ferro
e gravo nos ombros do vento
meu grito.
O vento sul visitará
o muro das enxovias.
Na noite do décimo sexto dia
o vento e o mar recomporão
meu canto, sobre o travesseiro
de meus irmãos semimortos.
O vento, o mar, a chuva,
o sal de constelações incendiadas,
o fogo de uma liberdade menina
descerão sobre os olhos febris dos condenados.
(acabo de receber pelo rádio a notícia do fim
da greve de fome. A vitória. Não haveria melhor
verso para encerrar um poema aberto pela vida.)
(maio/75)
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "16º dia" integra a seção “Pavilhão cinco”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Na segunda edição desse livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório intitulado “Explicação necessária”. Nessa introdução, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “16º dia” na página 93, informa que esse poema foi escrito em maio de 1975.