MONÓLOGO, QUASE DIÁLOGO
COM UMA MENINA POSSIVEL
Sim,
buscarei o dia do homem-homem,
do diálogo possível,
correspondência plena,
intercâmbio de endereços revelados.
(Mas hoje...
também hoje
misturar meus cabelos
aos carinhos dos seus dedos,
mergulhar minha mão na confiança
da sua mão.
Ter o grande amor, necessário na briga.)
Sim, construiremos o dia:
os gestos, os atos,
as manifestações todas
me confirmaram os bons
e o futuro realizando homens!
(Mas hoje, prisão!
Menina, na prisão
o portão é uma ânsia de entrar
amigos: pedaços de liberdade para a fome do preso.
Na prisão, faca de dois gumes,
se ama os passos na escada...
triiiimmm... é o telefone!
— Por mais que as botas policiais esmaguem
passos
ou o telefone e voz censurados transmitam ordens,
dúvidas
restrições
e humilhações,
podem trazer notícias (!): você ou os amigos,
a desconhecida que envia bilhetes
pelo soldado que ainda é povo e vem buscar o favor,
como vai a família, o Vietnam livre,
a ditadura derrubada
o time vencendo
a criança que me chama
e é filha do tenente,
o ovo que está chocando!)
Sim,
virá o dia:
também entre a polícia
me confirmaram
que as rosas necessárias são plantadas
e as podas multiplicam até os jardineiros...
desconjuntam as automáticas tesouras dos tesouros!
Sim, menina,
virá o dia dos jardins
porque ainda existem flores,
porque o esterco alimenta flores,
e terras férteis clamam flores
e jardineiros
e sementes — como você, menina —,
para o chão caluniado,
massacrado.
(Bem sei necessário
que as mãos carreguem flores
para enfeitar a liberdade exigida pelo rosto suado,
mas antes
as flores podem ser metralhas,
balas, as sementes...
E o sangue (porque assim?)
aduba o jardim humano.
E novas flores
das flores e dos espinhos mortos.
E a corrente quebrada sustentará
o alvorecer da madrugada metralhada.)
Sim,
esperarei o dia:
ah, quando pudermos
o corpo vestir de pele,
nós vestirmos nós
e o amor engravidar encontros!
(Mas, menina possível,
quase-rainha-de-um-súdito-só,
porque assim deseja,
olhamos televisão!
Sentadinhos no chão
crescem os cabelos
com a música do violão.
Crescem neuróticas ações,
tóxicas saudades
e vontades,
revolucionárias fomes
rondam filhos dos pais
rondam filhos do país.
Crescem saudades-desejos,
os retratos dos presidentes,
assustados
nas paredes do CÉU... (*)
Saudades,
o radinho embrulhado,
o dia partido, realidade e conjetura incertas,
o nosso canto-sonho tão longo
e apenas um colchão,
um quadrado, fuga.
À vista, prisão!
Menina,
é absurdo enfurnar
para poder amar!
Mas é o que permitem.
Aceitamos somente um volks?)
Sim,
virá o dia
do arrebenta-pedra que cresce sob outra cor,
do hoje-subterrâneo-conspirando-amor.
(Ou serão suficientes as grades
e os limites
e o medo
e o esmagar de corpos
e sonhos
para impedir a carne-flor?
Sim,
contra monstruosas miragens
espalharam guardas...
Ah, se soubessem os soldados:
atiram no próprio peito,
maioria cúmplices inocentes do saque ao suor.
Objetivos também
hastearam medo no horizonte humano,
derramaram injustiças
sobre os campos semeados
sobre o fruto não-colhido plenamente,
mas certo a todas as fomes!
Sim,
são fortes as amarras
que prendem os homens às grandes comidas,
mas
não são fortes as amarras
que prendem os homens a minguadas comidas.
E é preciso
mais que um recanto
um susto
um colchão e a amada
para o amor!)
... Menina,
os gestos, os atos,
as manifestações todas
me confirmaram os bons
e o futuro realizando homens.
Mesmo que hoje as perspectivas
concentrem esperanças nos subterrâneos,
é preciso sair
e abraçar coragem,
que já é hora!
(prisão, 1966)
(*) Clube dos Estudantes Universitários — Vitória - ES